“Não aguento mais”. “Está muito difícil”. “O mundo seria mais fácil se eu não existisse”. Essas são algumas frases de alerta que pessoas com tendências a cometer suicídio podem falar.
De acordo com a psiquiatra Luciana Staut, o “pedido de socorro” dessas pessoas nem sempre é expressado com clareza e sim nos diálogos mais subjetivos. É preciso atenção, diálogo e acolhimento, alerta a especialista.
A campanha Setembro Amarelo, que ocorre desde 2015 no Brasil, visa elevar o assunto e trazer a conscientização para a prevenção do suicídio.
“É muito importante falar sobre o suicídio. Principalmente porque, muitas vezes, estão relacionados com outros transtornos, que têm como ser tratados”, afirma Luciana.
A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) aponta que 96% dos casos de suicídio decorrem de quadros de transtornos mentais, como a depressão. Entretanto, segundo a médica, a dificuldade por atendimento especializado é uma das maiores barreiras encontradas por pacientes.
“As pessoas ainda têm dificuldade de chegar ao atendimento médico por causa do preconceito. Se tivesse uma maior conscientização, maior informação, nós conseguiríamos lidar com tudo isso de uma forma mais assertiva e não ter índices tão altos de tentativas e suicídios consumados”, conta a psiquiatra.
Dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde recentemente apontam que de 2011 a 2015 houve um aumento de 11% na taxa de suicídios no País. Em seis anos, o número aumentou de 10.490 para 11.736.
Para a psiquiatra, o suicídio tem dados subnotificados no Brasil. “A gente estima uma subnotificação alta, pois muitos casos de óbitos acabam sendo notificados como morte em geral”, diz a especialista.
A angústia
Um exemplo desses casos é o de Elaine Bernardo Mendes, 20 anos. Como na maioria dos casos, não foI apenas uma tentiva.
Há um ano e três meses, aconteceu a mais trágica. Sem enxergar uma luz no fim do túnel para acabar com sua angustia, tentou tirar a própria vida tomando medicamentos controlados.
A jovem já fazia tratamento psiquiátrico e psicológico e tinha o diagnóstico de depressão e transtorno de personalidade Borderline.
“Foi a época que o transtorno de personalidade começou a ficar mais evidente. Na época, eu ficava muito em casa, sozinha e não conversava com ninguém… Só que um dia eu não aguentei tanta angustia”, conta, emocionada.
Após a tentativa, o alerta foi feito à família: era preciso atenção. “A pessoa que está assim já sabe o que precisa fazer. Só que não consegue controlar esse sentimento. É uma coisa que vem. A gente só precisa ser abraçada, acolhida, e saber que a minha dor não é invisível. É preciso saber que as pessoas se importam”, relata.
O tratamento que já estava sendo feito com medicamentos e sessões com psicólogo foi reforçado e a jovem começou a se reconstruir.
Atualmente, Elaine, que chegou a abandonar a faculdade de Serviço Social, emprego e círculo de amigos, retoma as atividades aos poucos com a ajuda de familiares.
“Hoje, eu ainda fico mal, mas eu tento controlar e não dar ouvidos para os pensamentos ruins que vêm na minha cabeça. O apoio da minha família foi essencial”.
E dá um conselho: “Não precisa ‘ter’ o que falar. Só abraçar e fazer a pessoa se sentir amada e acolhida. Às vezes o outro quer te ajudar, mas vai cheio de conselhos. O que a pessoa menos precisa nesse momento são conselhos e sim acolhimento”, diz.
Acolhimento
“Acolhimento” também é palavra recorrente no discurso da psiquiatra Luciana Staut. A especialista endossa que termos como “tenha força de vontade” não ajudam um paciente com depressão.
“Uma pessoa que está com pressão alta, ou uma crise hipertensiva, ninguém bate nas costas da pessoa e fala: ‘Força! Se esforça que sua pressão vai baixar’. Não, a pessoa dá o remédio porque sabe que aquilo é uma patologia. Tem questões neuroquímicas envolvidas”, explica.
“É lógico: em algumas questões a gente tem que incentivar a pessoa a tentar retomar, a fazer uma atividade física porque isso é fundamental. No início a pessoa não vai querer, mas é preciso ter tato para saber a hora de incentivar a pessoa, e a hora de dar atenção, carinho e compreensão”, completa.
Recursos
Um dos minimizadores das causas de suicídio no Brasil são os serviços disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para pessoas com transtornos mentais pelos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs).
Há ainda, para casos emergenciais, o CVV (Centro de Valorização da Vida).
O canal de apoio sobrevive de serviços exclusivamente voluntários há 26 anos em Mato Grosso.
O coordenador do CVV no Estado, Joimmyr Hellemberger, revela que a maior parte da procura pelo serviço é de jovens e adolescente que não têm canal aberto de diálogo com familiares.
“O CVV oferece através do chat um espaço no qual pessoas possam ser ouvidas com empatia e anonimato. Nós não temos os nomes e idade de quem conversa com a gente. Mas dá pra entender pelos assuntos que grande parte são adolescentes”.
Hellemberger explica que é preciso ter um diálogo amoroso e empático com quem sofre de depressão e tenta tirar a própria vida.
“O problema é que, não por maldade, nossos amigos muitas vezes não sabem o que falar. Falar que ‘tudo vai passar’ é genérico. Muitas vezes a pessoa só quer um abraço. O serviço que o CVV oferece não é um trabalho de grandeza extraordinária. Nós fazemos aqui dentro o que nós, como seres humanos, deveríamos fazer uns com os outros normalmente. Escutar de forma acolhedora, respeitar, tentar entender a situação, o problema do outro.”