Apesar da colheita recorde de grãos prevista para a safra 2024/25, o agronegócio brasileiro enfrenta um gargalo estrutural que ameaça comprometer o desempenho do setor: a falta de capacidade de armazenagem. Segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a produção nacional deve atingir 336,1 milhões de toneladas, com crescimento de 13% sobre o ciclo anterior. A capacidade estática de armazenagem, no entanto, segue abaixo de 210 milhões de toneladas, absorvendo cerca de 60% da produção.
O descompasso entre o que se colhe e o que se consegue estocar vem se acentuando ano após ano, sem que o país consiga acompanhar o avanço da produtividade com a devida infraestrutura. Para Thiago Guilherme Péra, professor da Esalq/USP e coordenador do Grupo de Pesquisa em Logística Agroindustrial, o cenário já exige uma resposta coordenada entre Estado, cooperativas e setor privado.
“Se a gente não fizer nada, daqui a dez anos o Brasil estará mais caótico do que é hoje. Vamos ter um déficit cada vez maior de infraestrutura, tanto de armazenagem quanto de transporte. A principal chave é o investimento”, afirma o pesquisador, que também integra o Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS).
O Mato Grosso, maior produtor agrícola do país, exemplifica a urgência do problema. A estimativa de produção estadual para 2025 é de 100 milhões de toneladas, enquanto a estrutura local comporta apenas 60% desse volume. O déficit de 40 milhões de toneladas tem forçado produtores a soluções improvisadas, como o armazenamento a céu aberto, o que acarreta perdas físicas, contaminações e desvalorização de mercado.
Entre março e julho — auge da colheita do milho segunda safra — o sistema entra em colapso. A competição por espaço se intensifica com a expansão das usinas de etanol de milho no Centro-Oeste, que também consomem parte dos grãos armazenados. A sobrecarga pressiona a logística e encarece o escoamento, prejudicando sobretudo os pequenos e médios produtores, que não têm silos próprios nem escala suficiente para negociar prazos ou fretes mais vantajosos.
Segundo Péra, esse estrangulamento compromete não apenas a rentabilidade do campo, mas também a capacidade do país de manter sua competitividade no mercado internacional. “É fundamental que as cooperativas ampliem seu parque de armazenagem com acesso a linhas de crédito específicas, como o Programa para Construção e Ampliação de Armazéns (PCA), do BNDES”, diz.
Na avaliação do presidente do Instituto do Agronegócio (IA), Isan Rezende (foto), o Brasil corre o risco de repetir um erro histórico: celebrar a produtividade enquanto ignora os gargalos invisíveis que drenam valor da cadeia. Para ele, a falta de investimento em armazenagem é uma bomba-relógio que já começou a explodir.
“Ter a maior safra da história é uma façanha, mas sem estrutura para estocar, o que era conquista vira prejuízo. Armazenar grãos ao relento em pleno século 21 é sinal de atraso estrutural. Estamos perdendo qualidade, valor e credibilidade”, diz Isan.
Rezende também critica a baixa execução das políticas públicas destinadas à armazenagem e cobra agilidade no repasse de crédito rural com foco logístico. — “Falta visão estratégica. Falar em Plano Safra sem resolver armazenagem é tapar o sol com a peneira. O produtor precisa de segurança para colher e tempo para vender. Sem isso, só aumenta a dependência dos atravessadores”.
Ele defende que o tema seja incorporado de forma permanente nas agendas do Congresso, do Executivo e das lideranças do setor. — “Se não houver um plano nacional de armazenagem, vamos continuar plantando recordes e colhendo perdas. E quando isso começa a afetar os médios e grandes, é sinal de que o modelo inteiro está em risco”, diz o presidente do Instituto do Agronegócio.
Apesar de programas como o PCA e promessas de incentivo logístico nos últimos Planos Safra, o Brasil continua operando com um déficit estrutural que beira o colapso. A ausência de armazéns adequados não é apenas um problema técnico: é uma questão de soberania alimentar e estabilidade econômica.
Com a produção agrícola já consolidada como um dos pilares do PIB nacional, especialistas apontam que investir em armazenagem é um passo tão importante quanto ampliar a fronteira agrícola. “Mais do que nunca, plantar bem não basta — é preciso guardar direito”, completa Isan Rezende.