“A agricultura brasileira não tem um problema econômico, mas sim financeiro. O produtor tem margens apertadas e ainda enfrenta algo que chamo de ‘um segundo arrendamento’ nas propriedades.” A análise foi feita por André Debastiani, sócio-diretor da Agroconsult, durante a abertura do 25º Encontro Técnico de Soja, realizado pela Fundação de Apoio à Pesquisa Agropecuária de Mato Grosso (Fundação MT), em Cuiabá. O evento segue até 15 de maio e reúne profissionais da área técnica, empresários, produtores e pesquisadores do setor. Com mediação da jornalista Kellen Severo, a abertura contou ainda com a participação dos empresários e produtores rurais Odílio Balbinotti Filho e Marcelo Vendrame, respectivamente, o ex e o atual presidente do Conselho Curador da Fundação Mato Grosso.
André Debastiani deu destaque à atual pressão sobre os preços da soja no mercado internacional, que tem entre os principais motivos o excesso de produção do grão. “Estamos acumulando estoque ano após ano e isso gera pressão em termos de preços internacionais. É como o fundamento funciona, oferta e demanda. Quando a gente olha para o preço da soja em Chicago, vemos pelo menos dois dólares por bushel a menos em relação ao ano passado.”
O especialista reforçou ainda que o preço final recebido pelo produtor depende não apenas do mercado internacional, mas também de fatores como o câmbio, os prêmios de exportação e o custo logístico. “Já vivemos momentos em que era mais fácil obter margens. Agora, com preços deprimidos, é fundamental aumentar a eficiência das propriedades, produzindo mais”, explicou Debastiani.
Outro ponto importante da discussão foi o peso das taxas de juros nas operações agrícolas. “Se o produtor já tem margens apertadas e ainda enfrenta algo que chamo de ‘um segundo arrendamento’ dentro das propriedades, fica bem mais difícil. Em muitos casos, os juros equivalem a mais de 10 sacas por hectare. É uma realidade que exige cuidado na hora de fazer as contas, sendo necessário calcular qual a margem para pagar o serviço da dívida, lembrando que será uma dívida carregada por vários anos”, alertou Debastiani.
Diante do cenário exposto, o agricultor Odílio Balbinotti Filho reforçou a necessidade de buscar as máximas produtividades das cultivares existentes, que oferecem um enorme potencial produtivo para o setor da soja brasileira. “Há muitos casos de talhões produzindo acima de 100 sacas por hectare. Se estamos produzindo cerca de 66, em média, é porque estamos perdendo produção, deixando de produzir o que os materiais podem atingir. Os resultados mostram que o potencial existe.”
Ainda com atenção à produtividade, Marcelo Vendrame, atual presidente do Conselho Curador da Fundação Mato Grosso, ressaltou a importância do uso correto das técnicas agrícolas nas propriedades. “Temos que olhar para a produtividade, focar em produzir bem e nos preocupar com gente. Corremos o risco de perder de quatro a cinco sacas por hectare por técnicas aplicadas de forma errada no campo. Com isso, cada fazenda precisa de uma estratégia ajustada à sua realidade e, nesse ponto, a Fundação tem capacidade para oferecer suporte técnico para as equipes, com conhecimento estratégico para a mão de obra.”
China x EUA: e as oportunidades para o Brasil
No debate geopolítico, Debastiani também comentou os desdobramentos da tensão comercial entre China e Estados Unidos. “Uma guerra comercial entre os dois países, embora negativa para a economia global, pode gerar oportunidades para a soja brasileira. Problemas no comércio entre esses dois grandes players abrem espaço para colocarmos mais produtos no mercado internacional. Mesmo que haja acordo futuro, o atual cenário tem favorecido o Brasil.”
O painel trouxe visões sobre macrotendências para o futuro da soja. Debastiani destacou os primeiros investimentos em pesquisa voltados à produção de biocombustíveis 100% à base de óleos vegetais, ainda com custos altos, mas considerados um caminho para o desenvolvimento de soluções mais viáveis.
Vendrame apontou a adaptação de tecnologias e o uso de inteligência artificial no campo como parte da evolução necessária da agricultura. Também defendeu mais investimentos em irrigação, aproveitando a disponibilidade hídrica do Brasil.
Balbinotti reforçou o papel estratégico da agroindústria para o futuro do setor em Mato Grosso. “Com o uso de insumos de alta performance e inteligência artificial já presente nas empresas, o Brasil tem capacidade de conquistar novos mercados. A agroindustrialização vai nos levar a outro patamar. Mato Grosso tem potencial para ser o celeiro mundial não só em produção de commodities, mas também em valor agregado, com etanol, DDG e outros produtos industrializados.”
Programação do Encontro Técnico de Soja segue até o dia 15 de maio
No formato híbrido, com participantes de forma presencial e também virtual, o evento tem mais de 420 participantes e é voltado à apresentação dos resultados de pesquisa e soluções técnicas aplicadas à produção de soja.
O diretor-presidente da Fundação MT, Romão Viana, destacou que o Encontro Técnico de Soja é resultado do trabalho de mais de 160 colaboradores da empresa. “A contribuição é uma parceria com os produtores rurais, ombro a ombro. Chegamos a 25 edições de um encontro que foi uma boa semente plantada e hoje dá frutos. Nosso time de pesquisadores está trazendo informações acumuladas ao longo dos anos, com respostas aos desafios da agricultura e orientações para os próximos 25 anos. Todo o conteúdo é produzido com imparcialidade e credibilidade”, finalizou Viana.